O SENTIDO DA REPARAÇÃO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DO ESTADO E AS MUDANÇAS INSTITUCIONAIS EM FACE DO NEGACIONISMO HISTÓRICO

Isabella Arruda Pimentel, Eneá de Stutz e Almeida, Zilda Silva

Resumo


Considerando a experiência coletiva traumática vivida no período ditatorial militar brasileiro, este trabalho analisa o sentido da reparação para as vítimas da violência estatal e as efetivas mudanças institucionais operacionalizadas pela Comissão de Anistia em 2023, para fazer face à política negacionista. Nesse viés, pretende-se apresentar a categoria da reparação a partir da tese Etnográfica de Roderlei Nagib Góes (2012), denominada Dos Filhos [desaparecidos] deste solo és mãe gentil?, que oferece o aporte metodológico necessário para a formulação sobre as disputas de narrativa. Em seguida, serão analisadas as recentes mudanças regimentais no âmbito da estrutura estatal que lida com a reparação integral, qual seja: a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, que possui atuação voltada a análise de requerimentos de anistia política no país. O presente trabalho possui natureza interdisciplinar e se utiliza da metodologia bibliográfica. O simbólico da questão social (reparação às vítimas de atos de exceção) se enquadra como uma demanda de reconhecimento por busca de dignidade dos sujeitos afetados pelo Estado de exceção do passado. Como resultado da sistematização das recentes mudanças institucionais na Comissão de Anistia, conclui-se que há a construção de uma cultura jurídica que prioriza a reparação das vítimas, em contraposição ao negacionismo sobre a violência estatal. As graves violações de direitos humanos necessitam ser reparadas não só às vítimas, diretas e indiretas, mas principalmente à sociedade, com vistas ao Nunca Mais.


Palavras-chave


Justiça de Transição; Reparação; Violência estatal; Vítimas; Comissão de Anistia.

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DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2525-9660/2023.v9i1.9580

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