A EFICÁCIA EXTRA PARTES À LUZ E À SOMBRA DAS CONVENÇÕES DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS

Guilherme Carneiro Leão Farias

Resumo


Este artigo tem por objetivo identificar e analisar as principais lacunas da disciplina contida nas Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 e 1986 a respeito da produção de efeitos das disposições de um tratado em relação aos atores da comunidade internacional que não ostentam a condição de parte. Como hipótese, levanta-se a de que, muito embora reconheçam certa hierarquização entre as normas de direito internacional, as Convenções foram marcadamente influenciadas pelo voluntarismo. Isso porque a principal ambição subjacente à adoção de ambas foi a de consagrar normas costumeiras pré-existentes e de âmbito geral, com o cuidado de evitar a institucionalização das assimetrias de facto. Nesse sentido, seria de se esperar tratamento lacunoso especialmente quanto à delimitação do universo dos “terceiros”; à oponibilidade dependente do consentimento; e à oponibilidade independente do consentimento. A metodologia aplicada classifica-se como descritiva e qualitativa. A investigação foi eminentemente baseada em revisão de literatura. Os resultados confirmam a hipótese e apontam que uma boa parte das lacunas identificadas não derivou da ignorância dos membros da Comissão de Direito Internacional, mas de uma ponderosa preocupação com o risco de ideologização do Direito Internacional Público convencional num contexto de Guerra Fria e descolonização. Conclui-se, assim, que, no contexto da humanização do Direito Internacional, a progressiva insuficiência das Convenções de Viena enquanto “restatements” de direito dos tratados tornará ainda mais indispensável o recurso ao critério histórico-evolutivo de hermenêutica.

Palavras-chave


Convenções internacionais; humanização; obrigações erga omnes; regimes objetivos; hermenêutica jurídica

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DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0219/2023.v9i1.9554

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