A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: UM ESTUDO À LUZ DA CIÊNCIA MÉDICA

Helena de Azeredo Orselli, Maria Eduarda Mikiewicz Desplanches, Priscila Zeni de Sá

Resumo


Este artigo tem por objeto a análise da possibilidade de aplicação da teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil médica. O objetivo da pesquisa é o estudo da referida teoria, analisando suas características e seus pressupostos para aplicação no direito médico. Em um primeiro momento, analisa-se a responsabilidade civil dos médicos e, posteriormente, aborda-se a teoria da perda de uma chance, seus aspectos históricos, conceitos e sua aplicação no direito brasileiro. Por fim, estuda-se a responsabilidade civil pela perda de uma chance na ciência médica e sua aplicação jurisprudencial. Para tanto, a investigação baseou-se o método dedutivo, operacionalizado com as técnicas de leitura dirigida, fichamento de obras e consultas nas jurisprudências pátrias. Os resultados da pesquisa demonstram que o ordenamento jurídico brasileiro aceita a aplicação da teoria da perda de uma chance na ciência médica, desde que preenchidos os pressupostos necessários, quais sejam, chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de obter um benefício ou sofrer um prejuízo e o nexo de causalidade entre a perda da oportunidade de exercer a chance e a conduta do ofensor.

Palavras-chave


Falha médica; Indenização; Perda de uma chance; Responsabilidade civil; Responsabilidade médica.

Texto completo:

PDF

Referências


BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 14 abr. 2023.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 14 abr. 2023.

BRASIL. Enunciado 444. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/362. Acesso em: 14 abr. 2023.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Resp. 1.254.141/PR. Terceira Turma. DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes.2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento. 3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional. 5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada. Rel. Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013. Disponível em https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201100789394&dt_publicacao=20/02/2013. Acesso em 24 abr. 2023.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1677083 / SP. Terceira Turma. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HOSPITAL. ATUAÇÃO NEGLIGENTE. ÓBITO. INDENIZAÇÃO PELA CHANCE PERDIDA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. A teoria da perda de uma chance comporta duplo viés, ora justificando o dever de indenizar em decorrência da frustração da expectativa de se obter uma vantagem ou um ganho futuro, desde que séria e real a possibilidade de êxito (perda da chance clássica), ora amparando a pretensão ressarcitória pela conduta omissiva que, se praticada a contento, poderia evitar o prejuízo suportado pela vítima (perda da chance atípica). 3. Hipótese em que a morte da paciente não resultou do posterior agravamento da enfermidade diagnosticada a destempo, mas de um traumatismo crânio-encefálico resultante da queda de uma escada em sua própria residência um dia depois da última consulta médica realizada, não se podendo afirmar com absoluta certeza que o acidente doméstico ocorreu em razão das tonturas que ela vinha sentindo e que a motivou a procurar auxílio médico.4. À luz da teoria da perda de uma chance, o liame causal a ser demonstrado é aquele existente entre a conduta ilícita e a chance perdida, sendo desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o dano final.5. Existência de laudo pericial conclusivo quanto à efetiva concorrência da enfermidade extemporaneamente diagnosticada para o resultado morte, tendo em vista que a baixa contagem de plaquetas foi determinante para que não fosse possível estancar a hemorragia intracraniana da paciente. 6. Atuação negligente dos profissionais médicos que retirou da paciente uma chance concreta e real de ter um diagnóstico correto e de alçar as consequências normais que dele se poderia esperar.7. Na responsabilidade civil pela perda de uma chance, o valor da indenização não equivale ao prejuízo final, devendo ser obtido mediante valoração da chance perdida, como bem jurídico autônomo. 8. Ainda que estabelecidos os danos morais em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) com base no sofrimento e na angústia do autor pela morte de sua esposa, não se mostra desarrazoada a quantia fixada a esse título, mesmo considerando que a indenização deve reparar apenas a chance perdida.9. Recurso especial não provido. Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. Julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017. Disponível em https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201700345945&dt_publicacao=20/11/2017. Acesso em 24 abr. 2023.

CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, V.13. Rio de Janeiro: Método, 2013.

CASTRO, Alexandre Martins; MAIA, Maurilio Casas. A responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência na atividade médica: entre doutrina e a visão do superior tribunal de justiça. Revista dos Tribunais Online: Doutrinas Essenciais do Dano Moral, [S.I], v. 1/2015, p. 1231-1249, jul. 2015.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

Código de ética médica: resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009 (versão de bolso) / Conselho Federal de Medicina – Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2010.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil: obrigações e responsabilidade. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

FARIA, Annelise Gobes. A teoria da perda de uma chance no direito médico. Revista dos Tribunais Online: Revista de Direito e Medicina, [S.I], v. 6, p. 1-15, maio-ago 2020.

FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 17. ed. v 4, São Paulo: Saraiva, 2022.

KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico [livro eletrônico]. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019a.

KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor [livro eletrônico] 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters, 2019b.

LÔBO, Paulo. Direito civil: Contratos. 3. São Paulo: Saraiva, 2016.

PASSOS, Pâmela dos. A responsabilidade civil do médico pela teoria da perda de uma chance: erro no diagnóstico. 2018. 104 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Ufsc, Florianópolis, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/192588/TCC%20-%20PDF%20-%20Repositorio.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 11 abr. 2023.

RIZZARDO, Arnaldo: Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico e erro de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2002.

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3. São Paulo: Atlas, 2013

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013.

TARTUCE, Flavio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

VENOSA, Silvio de Savio. Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2022.




DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2525-9695/2023.v9i1.9759

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.